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Valor além do julgamento!

Em 1980, apesar de obrigatório, o casal de mestre-sala e porta-bandeira não contou como quesito. A União da Ilha, num sopro de sensibilidade e respeito, trouxe seu casal em cima de um carro, soberano e em posição de destaque.

Segundo alguns dirigentes, os casais estavam ficando “caros de mais”. O presidente da Mocidade na época, Osman Pereira Leite, reclamou que “muitos estavam cobrando alto preço para desfilar”. Declarou: “Todo presidente ou diretor de escola sabe que temos de nos queixar da exploração que esses profissionais do samba fazem com a gente. Não por desonestidade deles, mas pelo fato de saberem que, cada um, vale uma nota dez. A bateria também é importante. Resultado: nós ficamos dependendo de duas pessoas, praticamente obrigados a aturar qualquer exigência em troca de um bom desfile (Osman, O Globo, 10 de junho de 1979)”. Carlinhos Maracanã, dirigente da Portela, disse :“Setenta mil cruzeiros foi quanto custaram as fantasias de Vilma Nascimento e Benício este ano”.

No meio de tanta polêmica, grandes nomes do bailado se manifestaram. Vilma Nascimento, histórica porta-bandeira Portelense,disse que era “um absurdo, e até mesmo um crime”. Seu primo e parceiro de dança, Benício, afirmou que “Tiraram o brilho do desfile, a tradição, a beleza da escola. Tem gente que vai à Avenida só para ver o mestre-sala e a porta-bandeira. Sem contar ponto, quem vai ter entusiasmo para criar, para sambar melhor?”

Mestre Delegado, com receio de que as pessoas pensassem que os casais não dançariam motivados por não contarem ponto disse que “o povo não pode ficar com uma impressão ruim de nós” e afirmou que dançaria com o mesmo empenho.

Finalmente, em 1982 o casal de mestre-sala e porta-bandeira voltou a ser um dos quesitos julgados no desfile oficial. Os dois anos sem julgamento fizeram com que o debate acontecesse e que houvesse um entendimento maior da importância do casal. Muito além das notas, o verdadeiro significado da missão por trás do bailado.

A responsabilidade de carregar em suas próprias mãos toda a cultura de uma comunidade, as notas musicais de seus mais belos sambas e enredos antológicos. A União da Ilha entendeu e elevou seu casal ao altar do samba em seu desfile, sua procissão. Depois disso, todos entenderam, até mesmo os próprios casais.

As notas não definem um casal de mestre-sala e porta-bandeira. Ele é parte de algo maior, responsável por uma missão sagrada. O axé de todo povo negro é espalhado quando o pavilhão gira, esse encanto é o que mantém a roda em funcionamento. Enquanto houver um casal de mestre-sala e porta-bandeira o samba estará salvaguardado.

Cabe aos casais não permitirem serem reduzidos apenas a uma nota 10. Em tempos de troca-troca e malas de dinheiro, a essência não pode ser perdida e nem o valor da arte barganhado. Que o caráter e a responsabilidade cultural e histórica sejam os guias dos novos casais, que não corram apenas atrás dos holofotes e flashes, mas que sejam como Vilma, Benício, Delegado e tantos outros, guardiões da arte e da cultura do nosso povo.

 

 

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